Por Enrico Gori Soares, Doutor em Ciências do Movimento Humano
Quando falamos de treinamento de força, é essencial entender como a mecânica dos equipamentos influencia a execução dos exercícios e os resultados obtidos. A variedade de exercícios e equipamentos disponíveis é enorme, e a escolha adequada depende dos objetivos do praticante, da sua experiência e das curvas de força envolvidas em cada movimento.
Curvas de Força e Sticking Point
Durante um exercício, a capacidade de produzir força varia conforme mudamos o ângulo e o deslocamento das articulações. Essa relação é chamada de curva de força (Kulig, Andrews et al., 1984). Já o sticking point é o ponto de maior dificuldade no exercício, geralmente associado ao momento de falha muscular concêntrica (Kompf & Arandjelovic, 2016).
Existem três tipos principais de curvas de força:
-
Curva Ascendente: a produção de força aumenta durante a fase concêntrica. Ex: agachamento, levantamento terra, supino reto e desenvolvimento.
-
Curva Descendente: a capacidade de produzir força diminui ao longo da fase concêntrica. Ex: puxadas e remadas com cabos.
-
Curva em Forma de Sino: a maior força é produzida no meio da fase concêntrica. Ex: rosca direta.
Entender essas curvas é fundamental para escolher o equipamento que melhor complementa a produção de força do praticante.
Classificação dos Equipamentos
Os equipamentos e exercícios podem ser classificados de acordo com a tabela 1:
Tipo |
Exemplos |
Movimento |
Magnitude da força |
Direção da força |
Peso livre |
Halteres, dumbbells, barras,
anilhas e caneleiras. |
Sem restrição “livre”. |
Depende da massa e da aceleração
aplicada ao equipamento. |
Na maioria das vezes, é orientado
para o centro da terra devido à aceleração da gravidade. Mas essa direção
pode variar se o equipamento for acelerado em outro plano. |
Máquinas com trilhos |
Leg press 45°, leg press 60°, leg
press 90°, agachamento hack, todos exercícios realizados na barra guiada
“Smith”. |
Restrito no plano inclinado do
trilho. |
Depende da massa utilizada no
equipamento; da aceleração aplicada ao equipamento e do ângulo de inclinação
do trilho em relação a vertical. |
A força aplicada no praticante de
TF é paralela ao plano de inclinação do trilho. |
Máquinas com cabos e polias. |
Cross over, puxadores e remadas
com cabos. |
Sem restrição. |
Depende da massa utilizada no
equipamento; da aceleração utilizada no exercício e da disposição das polias
na máquina (não necessariamente da quantidade de polias). |
A força é aplicada na mesma
direção que o cabo. |
Máquinas com alavancas. |
Remada
cavalinho, remada e puxada convergente, banco solear. |
Restrito ao plano de movimento do
equipamento. |
Depende da massa utilizada no equipamento;
da aceleração utilizada no exercício; do tipo, dos braços e do ângulo de inclinação
da alavanca. |
A força deve ser aplicada perpendicularmente
ao braço da máquina para facilitar a execução do exercício. |
Máquinas com polias de raio
variado. |
Cadeira
e mesa flexora, cadeira extensora, rosca Scott máquina. |
Restrito ao plano de movimento do
equipamento. |
Depende da massa utilizada no equipamento;
da aceleração utilizada no exercício; do raio do CAM. |
A força é aplicada perpendicularmente
ao braço da máquina. |
Elásticos |
Therabands,
superbands, minibands. |
Sem restrição. |
Depende da deformação e do coeficiente
de deformação “rigidez” do elástico. |
A força é aplicada na mesma direção
que o elástico. |
Correntes |
Correntes |
Sem restrição. |
Depende
da massa dos elos da corrente e do deslocamento dos elos em relação ao solo. |
Orientado ao centro da terra. |
Exercícios com Peso Corporal
Os exercícios com peso corporal são tradicionais no desenvolvimento de força. Flexões, barras fixas, abdominais e pranchas treinam vários grupos musculares ao mesmo tempo, são acessíveis e adaptáveis.
Entretanto, sua maior limitação é a dificuldade em progredir a sobrecarga de forma controlada, o que pode limitar o desenvolvimento da força máxima (Turner & Comfort, 2022).
Pesos Livres
Pesos livres como barras e halteres são extremamente versáteis e baratos. Eles exigem mais ativação muscular para controle e são considerados fundamentais para o desenvolvimento da força máxima, potência e coordenação motora.
Apesar das vantagens, como a replicação de movimentos esportivos e a facilidade de progressão de carga, eles exigem maior técnica e preparação, especialmente em exercícios derivados do Levantamento de Peso Olímpico (Heidel, Novak et al., 2022).
As
vantagens e as desvantagens dos preços livres são:
DESVANTAGENS |
|
Podem
potencialmente colocar o praticante em risco devido à maior estabilização
necessária. |
|
Necessitam
de maior ativação de músculos antagonistas e sinergistas para sustentar o
corpo em todos os planos de movimento. Permitem movimento multidirecional que
deve ser controlado. Melhor estímulo para a coordenação e equilíbrio. |
Maior
tempo para “preparar” barras e dumbbells para realizar os exercícios. |
Permitem
maior variação da posição dos pés, mãos, etc. para alterar os estímulos. |
Necessitam
maior tempo de aprendizagem, especialmente as variações de LPO. |
Vários
exercícios podem ser realizados com poucos equipamentos. Facilita a seleção
dos exercícios. |
Necessitam
de auxiliares em uma série de exercícios (ex. supino, desenvolvimento,
agachamento). |
Os
exercícios podem ser realizados unilateralmente ou bilateralmente. |
A
linha de ação da força é sempre apontada para baixo, portanto, exercícios
realizados no plano transverso podem não receber resistência adequada. |
Podem
ser realizadas ações excêntricas, concêntricas e isométricas. |
|
Fácil
de controlar a carga de treinamento e a progressão do praticante. |
|
Permite
a realização das variações do Levantamento de Peso Olímpico (LPO) e
Powerlifting. Otimizam a aceleração no treinamento de potência. Pesos livres
são mais indicados para o treinamento de força máxima, potência e velocidade. |
|
Fáceis
de replicar movimentos atléticos e do dia-a-dia. |
|
Efetivo
para melhorar os componentes de aptidão relacionados a saúde e a performance,
contanto que o programa de treinamento seja progressivo. |
Máquinas com Trilhos
Máquinas como leg press e barra guiada Smith utilizam trilhos que restringem o movimento a um plano específico. A força necessária para mover a carga é menor do que a massa total utilizada, pois depende do ângulo de inclinação do trilho.
Por exemplo, no leg press 45°, 200 kgf de carga resultam em apenas 140 kgf de esforço prático (desconsiderando o atrito).
A força aplicada no praticante é igual a força peso multiplicada pelo cosseno do ângulo teta em vermelho.Máquinas com Cabos e Polias
Equipamentos com cabos, como o cross over, permitem uma grande variedade de exercícios porque a força pode ser redirecionada dependendo da disposição das polias.
Um erro comum é pensar que o número de polias deixa a máquina mais "leve", mas o que realmente importa é se as polias são fixas ou móveis. Polias móveis, por exemplo, podem reduzir pela metade a força aplicada ao praticante.
Máquinas com Polias de Raio Variado (CAMs)
As CAMs (discos de raio variável) modificam a resistência ao longo do movimento, tentando acompanhar a curva de produção de força natural do corpo. São comuns em equipamentos como cadeira extensora e mesa flexora.
Máquinas com Alavancas
Máquinas com alavancas, como a remada cavalinho, trabalham com variação de torque durante o movimento. O maior esforço acontece quando o braço da alavanca está paralelo ao solo.
Normalmente, esses equipamentos oferecem uma curva de força descendente.
Elásticos e correntes
Elásticos
são uma modalidade de resistência baseado na deformação dos materiais. A força
exercida por tubos, faixas e cintos elásticos é regida pela Lei de Hooke (F =
k*Δl). Sendo F = a força exercida pelo elástico (N), k = a
constante da mola (N/m) e Δl = a variação do comprimento do elástico (m). Portanto,
quanto maior a variação no comprimento (mais esticado o elástico) e maior a
constante de mola (medida da rigidez do material ou a sua resistência contra o
alongamento) maior a força aplicada no praticante de TF.
É
possível determinar o k a partir da Lei de Hooke. Primeiro, temos que mensurar
o comprimento em repouso do elástico; então, devemos aplicar uma força
constante no elástico (isso pode ser realizado pendurando um peso livre
“anilha” no elástico) e mensurar novamente o comprimento do elástico agora
alongado. Supondo que um elástico de 1m foi deformado 0,1m após a aplicação de
uma força de 50N, o coeficiente da mola será de:
F
= k*Δl → k = F/ Δl → k = 50N/0,1m → k = 500N/m
Como a resistência aumenta à medida que o elástico é alongado, muitos praticantes de TF utilizam elásticos junto dos pesos livres em exercícios que apresentam a curva de força ascendente (ex. variações de supino, agachamento e levantamento terra). A revisão de literatura de Soria-Gila et al., (Soria-Gila, Chirosa et al. 2015) demonstrou que essa estratégia promove ganhos em uma série de medidas de força máxima superiores ao treinamento com somente pesos livres. Além da utilização em conjunto com os pesos livres, os elásticos são equipamentos versáteis e fáceis de transportar.
Relação tensão x deformação de vários calibres de elásticos.
As
correntes por sua vez são uma modalidade de resistência variável baseado no
deslocamento da corrente em relação ao chão. A força exercida pelas correntes
depende do calibre e do número de correntes penduradas na barra.
As desvantagens das correntes em relação aos elásticos são o preço e o barulho.
Por outro lado, as vantagens desse tipo de equipamento são a facilidade de
estimar a sobrecarga e a durabilidade em relação aos elásticos.
Referências
Aboodarda, S. J., George, J., Mokhtar, A. H., & Thompson, M. (2016). Muscle strength and activation with resistance bands: implications for training and rehabilitation. Journal of Strength and Conditioning Research, 30(7), 2107–2115.
Heidel, K. M., Novak, A. R., Lohse, K. R., & Behm, D. G. (2022). Free Weights or Machines: A Systematic Review and Meta-Analysis of the Effects of Resistance Training Modalities on Strength, Hypertrophy, and Muscle Activation. Journal of Strength and Conditioning Research, 36(4), 998-1009.
Kompf, J., & Arandjelović, O. (2016). The sticking point in resistance training: A review of existing research and future directions. Sports Medicine, 46(6), 751–762.
Kulig, K., Andrews, J. G., & Hay, J. G. (1984). Human strength curves. Exercise and Sport Sciences Reviews, 12, 417-466.
McMaster, D. T., Cronin, J., McGuigan, M., & Newton, M. (2009). Biomechanical and physiological responses to a resistance training intervention using elastic bands. Journal of Strength and Conditioning Research, 23(3), 750–754.
Soria-Gila, M. A., Chirosa-Ríos, L. J., Bautista, I. J., & Chirosa, I. J. (2015). Effects of variable resistance training on maximal strength: A meta-analysis. Journal of Strength and Conditioning Research, 29(11), 3260–3270.
Turner, A. N., & Comfort, P. (2022). Advanced Strength and Conditioning: An Evidence-based Approach. Routledge.
Wallace, B. J., Winchester, J. B., & McGuigan, M. R. (2006). Effects of elastic bands on force and power characteristics during the back squat exercise. Journal of Strength and Conditioning Research, 20(2), 268–272.
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